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Puerpério psicológico ou emocional




Você já ouviu falar do puerpério psicológico ou emocional?


Sim, minha mãe possível, puerpério não é uma coisa única. Aliás, ele é um assunto complexo que tem gerado muitos estudos e discussões nos tempos atuais.


A verdade é que existem dois tipos de puerpério.


O primeiro seria aquele que você já ouviu falar bastante - o puerpério fisiológico. É aquele que diz respeito aos primeiros meses após o parto, onde o nosso corpo está, aos poucos, voltando pro lugar. Há uma desregulação hormonal que acarreta uma série de sentimentos e dificuldades bem intensas. Esse puerpério, de acordo com a medicina, termina com a primeira menstruação após o parto.


Só que estudos e observações da psicologia perinatal detectaram que mesmo passado esses primeiros meses, as mulheres continuam funcionando “diferente”. Continuavam emotivas, sem muitos interesses para outras áreas da vida, baixa libido, baixa concentração, nervos à flor da pele e desconectadas do mundo exterior.


O puerpério emocional, em média, pode durar dois anos e é um período de elaboração em relação às transformações que a maternidade impõe.


Vamos fazer uma comparação aqui: a maternidade é como se fosse uma grande floresta onde nós adentramos. Uma floresta sem trilha, que nós não sabemos muito bem o caminho. Só vamos caminhando, tentando entender onde estamos e sobreviver. Nessa floresta encontramos inúmeros animais estranhos, tomamos chuva na cabeça, temos que atravessar rios, temos que pular pedras e transpor grandes troncos de árvores. Em condições normais, depois de um tempo, vamos aprendendo a lidar com a intempéries, a dominar os perigos e a prever as situações. Nos tornamos as rainhas da selva!


Porém, muitas mulheres ficam perdidas nessa floresta, sem encontrar o caminho de volta ou um caminho que as leve para outro lugar. A sobrevivência na selva fica pesada demais, por ser muitas vezes um caminho absolutamente solitário. A mulher se sente cansada e sem forças. Ou seja, a depender da intensidade dessas transformações, a intensidade dos desafios e da estrutura mental dessa mulher - que não podemos esquecer que carrega suas marcas, dificuldades e traumas de uma vida anterior à maternidade - essa elaboração pode ser muito dolorosa e até bastante duradoura. Não raro, mulheres com filhos de 3 ou 4 anos ainda apresentam bastante dificuldades em assimilarem o papel materno e ainda se sentem bastante deslocadas em várias áreas da vida depois que se tornaram mães.


Estudos sobre o tema, como a pesquisa da psicóloga e psicanalista Fernanda Andrade Leal, exposta em seu livro “A tristeza Comum da Mãe: Reflexões sobre o Estado Psíquico do Pós - Parto”, apontam que o puerpério está ficando cada vez mais longo pela complexidade da vida da mulher contemporânea. Antes, o caminho da mulher nessa “floresta” era bem mais marcado e objetivo. Havia, na verdade, um caminho definido, não por ela, mas pela sociedade. Antigamente, o maior objetivo que uma mulher tinha na vida era casar e ter filhos, pois não havia nenhuma outra perspectiva de vida para as mulheres para além da construção de uma família. Desse modo, a fase puerperal era menos duradoura.


Só que os tempos mudaram. Hoje temos uma vida que está para além de ser esposa e mãe. Temos trabalho, vida social, hobbies. Podemos escolher nossos parceiros, podemos escolher o que queremos ser, o queremos usar, para onde queremos ir. Podemos controlar quando queremos ter filhos e se queremos ter filhos.

Só que essa liberdade nos trouxe uma série de questões no campo da maternidade. Temos liberdade, mas também um maior risco de ficarmos perdidas, tendo em vista que ao nos tornamos mães acabamos tendo que conciliar as demandas da maternidade com as mais diferentes exigências do mundo.


A maternidade nos obriga a parar de trabalhar (mesmo que por um tempo), limita a nossa vida social e a nossa autonomia de ir e vir, acarreta uma série de transformações corporais, traz modificações no casamento, entra muitas outras coisas que acontecem ao mesmo tempo. A quantidade de papéis que precisamos conciliar nesse processo são muitas vezes antagônicos e desconexos. A época do puerpério é justamente uma fase que nos convida a parar, a desacelerar, a trocar o tempo cronológico pelo tempo da experiência, da relação, a construir laços de afeto com o nosso filho. Porém, o mundo externo, em sua loucura e pressa, nos chama o tempo todo. Temos que ser produtivas, temos que emagrecer, temos que voltar logo ao que éramos antes, temos que atender às milhares de expectativas sociais, temos que seguir um milhão de cartilhas para sermos boas mães…


E aí que tá o X da questão: ao nos tornamos mães nos dias de hoje, precisamos fazer MUITAS elaborações. São muitas modificações que precisam ser administradas em vários setores da vida. Modificações essas que muitas vezes nos colocam em uma posição de vulnerabilidade, como o excesso de atividades, responsabilidades e informações (sobrecarga) e também instabilidades na vida profissional e financeira.


Por isso o puerpério está cada vez mais longo no mundo ocidental e contemporâneo. E talvez seja por isso que você, agora, nesse momento, mesmo depois de tantos meses e alguns anos, esteja e sentindo ainda muito perdida.


Essa processo intenso de elaboração, apesar de normal na maior parte das vezes, pode sim ser minimizado e encurtado através de análise, já que, no processo terapêutico, temos a oportunidade de identificar, nomear e organizar melhor os nossos conflitos. Puerpério não precisa ser sinônimo de sofrimento e mães não merecem perder anos da sua vida produtiva sentindo-se deslocadas em tantas áreas da vida!


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Ana Clara Vidal

Psicanalista clínica

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